sexta-feira, 27 de julho de 2018

terça-feira, 19 de junho de 2018


ARAME FARPADO


Sempre me percebi espreitando as coisas. Nunca consegui me enquadrar em sistemas, mas não acho danação ser assim.  Constantemente, me vejo às margens, na beira mesmo, tentando dali observar meus espaços por outro lado. Identifico-me com Drummond e me desenho “gauche” na vida, nas estradas que construo e mesmo derrubo, nas pontes e vielas que refaço pra mim. Não me vejo enquadrada nos discursos e nos ecos impostos pelos outros. Vago, sorrateiramente, entre desníveis e nas impossibilidades e, ali, reinvento minha não existente forma de ser feliz .
Mastigo novos desejos e ordens que não sentencio, invado cenários não feitos para mim e consigo dissimular receios e medos que se misturam nas minhas vestes de humanidade. Vagueio nas beiras de caminho e não recrimino outras verdades. Nem procuro me moldar nos potes e rótulos que inventaram e acharam que me coubessem. Não sou sólida, deslizo demais e desconsidero ser uma mesma mulher todos os dias.
Gosto de experimentos, de sentimentos inaugurados em meu corpo e novos braços e pernas. Espero beijos mesmo sem perdões e sei que sou desajustada, carente de muitas coisas, que sei não serem saciadas. Não costumo marcar territórios, nem tão poucos escutar a mesma música . São nos desvãos que tento passar, correr sei lá... e dizer o não dito, traçar o que nem idealizado foi. Sou do acostamento, becos e não estradas. Quero sugerir e não delimitar. Os limites empobrecem as vontades e sou consumista mesmo...
Entre frestas e nesgas, traduzo meus recados e inundo meus hemisférios. Gosto de dizer quando há o silêncio, quando palavras cansaram de ser gotejadas. Às vezes, cuspí-las é necessário. Não suporto ouvir os mesmos vocabulários e as reticências não denunciadas.
Sou oscilante e variável. Não tenho a solução, mas costumo criar muitas perguntas. É chato não ter incertezas, é entediante não mergulhar. E nisso estou em me especializando. Gosto de sentar no chão. Cadeiras e sofás me deixam confortável demais. E, no desconforto, lanço-me centenas de vezes, todos os dias.
Sou desajeitada, não caibo em muitas roupas, em modas e em muitas gentes. Mas, me intensifico com outras, com olhares que se espalham. Gosto de visitar muitas casas, de ter mais endereços e aproximar-me, embora me afaste com frequência. Gosto de andar na contramão, entre lacunas e arames farpados, entre o que não considero e o que considero improvável.
 
Simone Lacerda

Biografia:
Simone Lacerda é graduada e pós- graduada em Letras, com ênfase em Literatura Portuguesa e Brasileira e estudante de psicanálise, atuando como docente de Língua Portuguesa desde 2004.
Em 2011, criou o blog Cheiros, ensaios e poesia, no qual divulga textos autorais, como poemas, crônicas e contos.
Escreve, semanalmente, para o Jornal Espírito Santo de Fato e contribui para publicações para a Revista Cachoeiro Cult, Jornal A Gazeta e outras mídias digitais de cunho literário.
No ano de 2016, foi selecionada pelo edital da Secult do Estado do Espírito Santo para produção e lançamento de seu primeiro livro Arame farpado, o qual reúne 38 crônicas, com características bem poéticas , abordando temas que perfazem o cotidiano e o sujeito contemporâneos.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

quarta-feira, 23 de maio de 2018